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terça-feira, 15 de março de 2011

Minha primeira oração


A manhã era de chuva… Olhava pela fresta da porta; os pingos reluziam na transparência colorida, traziam o azul das nuvens… se mesclava dentre o verde das folhas e das muitas flores, dos muitos frutos que nos faziam julgá-los maduros…
A torrencial corria perene!, Descia das telhas, turbilhonava nas calhas.
Nós (os meninos) ficávamos amuados, não era possível que fosse aquilo o dia todo.
Vovó nos prendia: temia os trovões.
Bolinávamos com os chuviscos que desciam rente a porta.
Maria, a menina vizinha ficara presa conosco,
Débi… a nossa cachorrinha estava encurralada no terraço.
Minha irmã mais nova, com medo do temporal, se punha num choramingo.
Todo brinquedo que tínhamos estava molhado no quintal:
       Tínhamos o balanço de corda sisal, papai amarrara em duas galhas. O capinzal era para as tardes secas; (era nosso aquele verde aveludado vestido de folhinhas miúdas,) cobria parte do terreiro; mais adiante arranjos maiores, árvores espalhadas aqui acolá... (Herdades da natureza).

  Na parte de chão duro, furinhos eram feitos para bolinhas de gude, (por hora estavam cobertos, transformados em pocilga)  
         — Como seria bom se a chuva estiasse!  Dizia meu primo injuriado. Um fuá de algazarra… a chuva parou. Gritávamos!
     Eu e meu primo corremos para a pelada, certamente pensávamos em sermos os primeiros. Engano total.  O time já estava formado de zagueiro a goleiro!  Nos restava ficar a espera da Segunda formação.
Pela hora do almoço voltamos para casa... Vovó abeirava o fogão… a mesa vestia-se de louças pobres. Famintos! Derramava no prato o caldo do feijão, por vez vinha na concha uma porção do arroz. Aquela Senhora sentava conosco, e juntos na mesa nos ensinava a agradecer. Uma vez por outra ela delegava quem faria o agradecimento…   
     Virou-se para mim, hoje é tua vez, recomendava… Não precisa muitas palavras, basta que sejas reverente. O coração lhe ditará as falas!
     Nunca mais esqueci aquelas palavras e nem o sentimento da oração que fiz.

Minha mãe passava por crises. Havia momentos de muitas frustrações. Ela ia atrás dos ideais com muita garra. Depois de consegui-los, caia em depressão, era como se estivesse ouvindo uma pergunta: “de que vale o paraíso se você não está comigo”.
Ela se propôs inteiramente a ser mãe e conseguiu. Nós, os filhos éramos filhos, não ao tanto que ela merecia...
Hoje, quase entendo, e descobri que não se pode fazer o máximo, o máximo exige um pouco de retorno, nem que seja mero reconhecimento.
Quando ela estava muito magoada, dizia provérbios tantos, como:
“Tenho vontade de abrir um buraco e me esconder nele”…
Ou, “pudesse eu ser como a avestruz que cava buraco e enterra a cabeça”…
Quando não estava disposta a fazer frases, dava uns bofetões em seu próprio rosto. Depois se recolhia na sua magoa…

de  J.Vitor

4 comentários:

  1. Na riqueza dos detalhes é como se pudéssemos ver o filme de suas histórias!.. Muito lindo José Vitor!
    Beijocas em seu coração...
    Verinha

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  2. Vitor, esta crônica é o filme que nunca será esquecido, acho a palavra certa "uma saga da vida real". Maria, a menina vizinha, Debi a cachorrinha, a irmã mais nova com medo do temporal, os brinquedos molhados no quintal, o cenário insquecível da chuva que insistia em cair. E o primo ... a Vovó, o papai, a mamãe, suas palavras virtuosas, sábias ... Sobraram seus filhos e ainda muitas e eternas lembranças.

    Comovente, Parabéns !!!

    Beijos

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  3. Rica história realmente. Muito da tua sensibilidade veio da sua mãe.
    E sabe que não me lembro da minha primeira oração?

    Bem, um grande abraço!!!!

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  4. É maravilhoso ainda se lembrar da primeira oração...

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