A manhã era de chuva… Olhava pela fresta da porta; os pingos reluziam na transparência colorida, traziam o azul das nuvens… se mesclava dentre o verde das folhas e das muitas flores, dos muitos frutos que nos faziam julgá-los maduros…
A torrencial corria perene!, Descia das telhas, turbilhonava nas calhas.
Nós (os meninos) ficávamos amuados, não era possível que fosse aquilo o dia todo.
Bolinávamos com os chuviscos que desciam rente a porta.
Maria, a menina vizinha ficara presa conosco,
Débi… a nossa cachorrinha estava encurralada no terraço.
Minha irmã mais nova, com medo do temporal, se punha num choramingo.
Todo brinquedo que tínhamos estava molhado no quintal:
Tínhamos o balanço de corda sisal, papai amarrara em duas galhas. O capinzal era para as tardes secas; (era nosso aquele verde aveludado vestido de folhinhas miúdas,) cobria parte do terreiro; mais adiante arranjos maiores, árvores espalhadas aqui acolá... (Herdades da natureza).
Na parte de chão duro, furinhos eram feitos para bolinhas de gude, (por hora estavam cobertos, transformados em pocilga)
— Como seria bom se a chuva estiasse! Dizia meu primo injuriado. Um fuá de algazarra… a chuva parou. Gritávamos!
Eu e meu primo corremos para a pelada, certamente pensávamos em sermos os primeiros. Engano total. O time já estava formado de zagueiro a goleiro! Nos restava ficar a espera da Segunda formação.
Pela hora do almoço voltamos para casa... Vovó abeirava o fogão… a mesa vestia-se de louças pobres. Famintos! Derramava no prato o caldo do feijão, por vez vinha na concha uma porção do arroz. Aquela Senhora sentava conosco, e juntos na mesa nos ensinava a agradecer. Uma vez por outra ela delegava quem faria o agradecimento…
Virou-se para mim, hoje é tua vez, recomendava… Não precisa muitas palavras, basta que sejas reverente. O coração lhe ditará as falas!
Nunca mais esqueci aquelas palavras e nem o sentimento da oração que fiz.
Minha mãe passava por crises. Havia momentos de muitas frustrações. Ela ia atrás dos ideais com muita garra. Depois de consegui-los, caia em depressão, era como se estivesse ouvindo uma pergunta: “de que vale o paraíso se você não está comigo”.
Ela se propôs inteiramente a ser mãe e conseguiu. Nós, os filhos éramos filhos, não ao tanto que ela merecia...
Hoje, quase entendo, e descobri que não se pode fazer o máximo, o máximo exige um pouco de retorno, nem que seja mero reconhecimento.
Quando ela estava muito magoada, dizia provérbios tantos, como:
“Tenho vontade de abrir um buraco e me esconder nele”…
Ou, “pudesse eu ser como a avestruz que cava buraco e enterra a cabeça”…
Quando não estava disposta a fazer frases, dava uns bofetões em seu próprio rosto. Depois se recolhia na sua magoa…
de J.Vitor
Na riqueza dos detalhes é como se pudéssemos ver o filme de suas histórias!.. Muito lindo José Vitor!
ResponderExcluirBeijocas em seu coração...
Verinha
Vitor, esta crônica é o filme que nunca será esquecido, acho a palavra certa "uma saga da vida real". Maria, a menina vizinha, Debi a cachorrinha, a irmã mais nova com medo do temporal, os brinquedos molhados no quintal, o cenário insquecível da chuva que insistia em cair. E o primo ... a Vovó, o papai, a mamãe, suas palavras virtuosas, sábias ... Sobraram seus filhos e ainda muitas e eternas lembranças.
ResponderExcluirComovente, Parabéns !!!
Beijos
Rica história realmente. Muito da tua sensibilidade veio da sua mãe.
ResponderExcluirE sabe que não me lembro da minha primeira oração?
Bem, um grande abraço!!!!
É maravilhoso ainda se lembrar da primeira oração...
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